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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O tempo é o lar...


O tempo é o lar das coisas,
todas elas, raras e vulgares,
constantes e vagas, vestem-se de circunstancias
e tecem os olhares , os sonhos, os dias...
Onde reside uma história
Senão apenas no caminhar incessante
por essa estrada invisível
que se lança sobre todas as direções
sem que ninguém jamais encontre
onde começa ou finda.
Agora mesmo, mesmo que não perceba,
por entre as frestas de um movimento,
pelos vãos das portas, sob a pele e sob os cabelos,
em silencio, sempre em silencio,
o tempo percorre indelevelmente seu pensamento
e desnuda os seus olhos sob o sol
de qualquer verniz, de qualquer pretexto,
junto à grande marcha de todos os seres.
O que se prolongará além de si mesmo?!
Que o maior espelho é o olhar
que se projeta para dentro.
E mesmo assim, há nuvens nas retinas
e um sono vasto e pouco entendimento.
Cada palavra desprendida na fluência dos dias,
cada rua que some ao ser andada,
cada coisa que foi nossa,
invariavelmente,
nossa foi apenas a ilusão, quando muito,
de que algo se detém ou se conserva
intacto em nossas mãos.

Porque o tempo é o lar das coisas,
todas as coisas, pequenas e grandes,
incertas e várias
nas suas expressões de existir
cumprem sua impermanencia necessária
e são feitas da mesma substância insondável
que moldou meu respirar nesse mundo.
Essa pequena trajetória à deriva
frente a um universo de possibilidades.
E toda memória é vasta e diferente porque se modifica
a cada amanhecer.
Todas as manhãs
Pequenas observações do existir,
coisas como:
nem sei o que sentir perante a vastidão
de tudo,
esse inquieto vagar de mundos,
a constante mutação de sonhos,
esse intenso caminhar de sombras
que somos sob um sol que não vemos...
Porque o tempo é o lar das coisas,
cada coisa projeta seu lugar no espaço
e subsiste provisoriamente
e depois passa e depois cessa
e quase nunca vemos
o eterno mudar de tudo...

domingo, 23 de agosto de 2009

A gosto da primavera...



A gosto da primavera virão as flores, verão
setembrar as cores, nesses campos novos, terão,
dançado vestidos claros nos varais sonoros,
borboletras escritas com pólens,
escorrerão nos cabelos da tarde, camponesa, 
senhora dos colibris,
pousa aqui, sobre esta mesa, agora, uma palavra
não beijada  pela tua voz serena, vem ver, vem ser,
o aroma  que fica nos travesseiros,
quando o sol abrir seu leque de pássaros
sobre os lençóis esvoaçantes do amanhecer.
Vem orvalhar, ervas de chá nos canteiros,
sementeiras, vem ser,
balanço de rede na varanda ao sol,
senhora  das flores das cachoeiras,
vem ser...
Janeiros secarão nos calendários, como pétalas,
um a um cairão os dias, ventos,
virão dizer, veria, se aqui viesse, ser,  
passeio nas campinas, pássaro, melodia,
flores-ser...

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Santa Maria dos vilarejos


Santa Maria dos vilarejos

olhai pelos caminhos vários

pelas trilhas que ando,

pelas ruas que eu não conheço

guiai os passos

dos viajantes cansados

pelas estradas de silencio

Santa Maria dos vilarejos

habitai as capelas antigas

as longas horas andadas

as praças das pequenas vilas

e os solitários corações andarilhos

olhai pelas campinas no vento

pelos ninhos das árvores

pelas pontes e pelos rios

Santa Maria dos lugarejos

iluminai meus olhos

e tudo o que vejo

acalmai os rumos com tua presença

com tua paz duradoura

acolhei-nos

Nossa Senhora dos caminhantes

pousai tua benção sobre as montanhas

sobre os pousos distantes

sobre as matas e cachoeiras

e sobre as noites e acampamentos

Santa Maria dos vilarejos

daí-nos

o repouso estradeiro

o pão benfazejo e

sob teu manto azul

protegei-nos.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Oração do esforço próprio




Não peço que eu não tenha medo...
mas quando o tiver que eu tenha a calma
necessária perante aquilo que não conheço.
Não peço que eu não fique triste...
mas quando a tristeza acercar-se do meu peito
que eu não a deixe fazer morada definitiva
onde ela deve ser hóspede por um tempo, apenas.
Não peço que eu não desanime
mas ao desanimar que meu desalento
seja só uma pausa reflexiva em meu prosseguimento.
Não peço que eu esteja certo sempre
mas ao escolher um ato que este seja sincero
e que possa ser também sincero, em caso de erro,
meu reconhecimento.
Não peço que eu seja forte...
mas que em face de um tormento
eu aprenda a sentir-me forte
construindo-me degrau a degrau
de momento a momento.
Não peço que eu não sinta dor...
mas quando a sentir no corpo ou nos recantos da alma
que eu não a deixe prolongar raízes profundas em meu ser
e se meu coração fechar-se em mágoa
que seja como as ostras que fechando-se sobre uma impureza
revestem-na com paciência
e ao abrirem-se revelam a pérola.
Não peço que eu não tenha dúvidas...
mas que elas não sejam a parte maior de mim.
Não peço que eu não tenha erros...
mas que eles não ofusquem a verdade que habita em mim.
Não peço que eu não tenha raiva...
mas que eu saiba identificá-la ao menor ruído
e filtrá-la em meus olhos e em meus atos e palavras
e não a deixe interpor-se entre meus pensamentos.
Não peço que eu tenha Amor...
mas que eu consiga aproveitar ao máximo
as oportunidades surgidas para praticá-lo
pois só assim o terei verdadeiramente.
Não peço que eu tenha Esperança...
pois ela é um exercício constante
a realizar em mim mesmo.
Não peço que eu tenha Fé...
pois não há como obte-la de fora,
mas que eu a construa em mim
e seja ela meu próprio caminho e o percorrê-lo.
Não peço que eu tenha Paz...
sem a luta interior de aprimorar-se
na tolerância de mim mesmo
e do que está além de mim, igualmente.
Não peço que eu tenha Sabedoria...
além daquela que eu possa alcançar
com meu esforço, pequeno ou vasto,
mas meu próprio esforço.
Nada peço que já não me tenha sido concedido
em forma de semente plantada em meu ser.
Se algo falha em mim não é porque a semente é ruim,
talvez eu não tenha sido um cultivador hábil.
Se algo falha em mim não é porque o solo seja fraco,
talvez eu não tenha sabido nutri-lo adequadamente.
Se algo falha em mim não é porque seja este meu destino,
talvez eu apenas não saiba ainda como conduzi-lo.
Nada peço que já não tenha sido colocado em mim
antes mesmo que eu tivesse voz para pedir,
bastando-me acrescentar à potencialidade concedida
todo esforço necessário à realização,
esforço este que também reside em mim.
Mas agradeço sempre o que em mim
souber, depois de tudo, reconhecer-se agradecido perante tudo.





Danças...


Flores beijando beija-flores com seus lábios de cores, pétalas, de perfumes diversos e intensos néctares. Dançam cabelos, dançam árvores com o vento com quem dança a tarde,com tudo o que são asas voam as horas assim dançadas. E o sol gira só no giro fundo detrás do azul que vai ficando escuro, no escurecer do mundo vão abrindo os olhos, estrelas, e ressurgindo lendas sobre os caminhos andados, sobre os caminhos vários não raro surge, uma sombra, andando sob a lua lenta que se alevanta e tanta luz inventa nesse andar sem nome que sem pressa fica o solitário passo. Alguma ave atrasada passa, algum passar de tempo e quase nada passa sem que o tempo note e não anote o rastro. Sobe poeira desce o sono, nesse ir sem vir dos passos perde-se a sombra, some-se o rumo, o chapéu da noite é grande e debaixo dele vai dormindo o mundo. São só silêncios que vão viajando agora, viajando vão embora todas as palavras, todas as palavras vão ficando quietas e sem que se perceba quando, tudo, o que agora ficou mudo, ficou também mudado, e muito. Uma estrada longa, uma casa em algum lugar plantada escuta as sementes respirando na terra escura, a terra, estuda, o erguer das árvores, o deitar das águas plantadas pelas nuvens muitas, outro vento vem, vem de outro jeito o vento, de tal jeito vem o vento vencendo distancias que nada mais que não seja vento, vence. Nos areais não mais sinais, das casas nem dos matagais, resvalam os mareais sobre telhados e dos barcos mastros apenas mostram as pontas,montanhas olham olhadas de mais alto ainda por céus profundos e inimagináveis mundos...

domingo, 9 de agosto de 2009

Nadando na palma da mão de Deus



Já não há mais remos. Não por tê-los perdidos, mas por não trazê-los, pois já não há mais barcos, nem deles se precisaria, neste momento. Já não há mais remos, a não ser os braços... E a lua brilha sobre algum mar passado, e sobre algum mar presente, e sobre este, vaga onda, pequena, quase branca, quase lenta, nem de saudades nem de alheamento, onda apenas, preenchida por si mesma em sua existência solta. E sobre este mar de agora o que é longe e o que é perto por igual se apresentam, bem poderia também terem o mesmo nome noite e dia, não por qualquer humana melancolia, não minha, nem das coisas, dessas menos ainda. É só um mar, imenso e verde de todos os verdes, imenso e azul de todos os azuis, mar sem tempestades, não mais, nenhuma, mar sem rumos, tão muitos, aos quais já nada se prende mais, mar sem fundo, enfim, sem fim, mar sem navios, sem redes, sem velas, mar para braços, e pernas, apenas. Toda as ancoras cortadas as cordas, correntes, cabos, todos os cascos nalgum lugar nenhum olhando, sem cansaço nem descanso, irretornáveis mastros , sem qualquer naufrágio também e nenhuma ilha para nenhum naufrágo, não há isso, não há farol mais nenhum porque navegante algum mais se avista, não há porto porque não há quem chegue, só águas, com um horizonte também de água, não se vê terras, terras que não se vê, terras que não existem. Águas, nas quais não se vestem roupas de nenhum tipo, nuas claras águas, puras, nem mistérios nem lendas mais, mar em silêncio num mar de mais silêncio aprofundado, um mar que não é tempo, porque eternidade, mas além de eternidade, mar... Um vento e nenhum vento que seja sobre esta hora onde nenhuma hora há, nenhum cais com gente a esperar, nenhuma cidade com cais a esperar gente alguma que não chegará, pois que não há mais gente nem mais cidades há, as estrelas não apontarão mais rotas, as rotas não serão nem mais rotas, e um sol brilhando sobre algum mar passado, e o sol sobre algum mar presente, e sobre este, já não há mais remos. Já não há mais remos, a não ser meus braços, nadando, eternamente nadando na palma da mão de Deus...