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domingo, 15 de agosto de 2010

Apenas vento..

         Eu hoje sou apenas vento... Um vento frio de agosto e silencioso e longínquo imerso em seu próprio voo, alheio a humanas compreensões, sem nome e sem datas, livre viajando sobre as grandes vastidões do mundo, vento... Redemoinhando folhas secas em ermas estradinhas de terra solitárias na paisagem perdida no horizonte onde algum caminheiro antigo vaga envolto em nuvens efêmeras de poeira num poente róseo e vagaroso... Vento, voando veloz sobre longas praias vazias de inverno, roçando a cabeleira branca das espumas das ondas, enfunando velas distantes, navegando nas longas imensidões de um oceano indiferente a quaisquer naufrágios...
     Apenas vento, eu sou... Sem mistérios maiores do que ser apenas vento balançando janelas velhas de madeira de cabanas abandonadas nas florestas, fazendo ranger portas de fazendas nas tardes morosas dos campos, rodopiando pétalas de girassóis girando sombras no girandar das horas, no transcorrer dos rumos rumorosos dos rios, torneando as bordas das pedras no alto de montes milenares mirando miríades de mares murmurantes no emaranhado de cidades transitórias, vento que sou, resvalando de leve na maciez dos frutos das árvores dançantes em meus longos dedos invisíveis, embaraçando cabelos perfumosos em douradas manhãs afáveis, alvoroçando ninhos no alvorecer, fazendo bailar chamas azuis de fogueiras na funda noite dos acampamentos, desenhando voos de aventureiras aves no vasto resfolegar das rotas, remodelando contornos de montanhas, contorcendo galhos, soprando sutilmente sobre os verdes cabelos eriçados da grama, desbarrancando trilhas vazias nas matas repleta de mim que sou vento desarrumando papéis, palavras, poemas, torvelinho de páginas do tempo sobre mesas esquecidas, janelas abertas, cortinas me reconhecem de passagem e se agitam, vagam nuvens, pássaros, chuvas em meus longuíssimos cabelos transparentes, camisas, lençóis, vestidos dançarinos em varais balançantes nos quintais, que tais bailados sejam plenos é apenas porque roço sobre eles imprevisíveis movimentos, vento, descabelando telhados, desentediando pipas,empinando aviões a esmo, entortando passos, portas, postes, baralhando casas, desinteressado, entretanto, de meus desconsertos, desorientando chapéus iguais a navios para meus desatrelados voos...
     Eu hoje sou apenas vento... Cavalgado por imensuráveis silêncios, navegado por incontáveis canções, transpassado por multicoloridas asas, alheio, porém, a tudo isso, isento de humanas divagações, desobrigado de previsíveis itinerários, vento apenas, eu hoje sou...