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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sementes de sol

                                                                                            Foto: Angélica Rodrigues
Lança tuas sementes ao sol,
teu olhar ao mundo
como quem chega todo dia
 pela primeira vez nesse lugar...

Aqui é o teu caminho, aqui
é  a tua voz
tecendo não apenas palavras,
mas horizontes
e rios
te conduzirão ao teu silêncio,
ao silêncio de todas as coisas
irmanadas no teu nome.

Uma hora teus próprios gestos
te ensinarão o tempo
e já será mais livre
e já será mais simples
do que o correr dos teus anos supunham.

Lança teu coração no mundo
e colhe os rumos
com as mãos sadias, 
pois elas é que semearão teu mundo!

domingo, 22 de maio de 2011

Sermão da Montanha

                                                                      Foto: Angélica Rodrigues

SERMÃO DA MONTANHA

             Bem-aventurados os que questionam a natureza de seus atos em face da natureza de seus corações.

“...Viu as multidões, subiu a montanha e sentou-se...”( MATEUS, Cap.5, v.1.)
      Porque olham para cima para ver uma montanha quando realmente já deveriam estar galgando o cume elevado da montanha de seus próprios seres. Não vêem que a trilha para cima é a mesma que desce, porque anseiam subir uma montanha quando seus espíritos ainda vagam sonolentos na poeira baixa das ruas?! O que há lá no alto que não o posam conter em seus pensamentos?! Acaso crêem que ao atingirem o topo da montanha seus pensamentos se transformarão em pássaros revestidos de luz e liberdade plena?! Esses mesmos pensamentos que habitualmente esparramam-se em seus cotidianos?!
          Porque subir uma montanha quando suas almas apenas engatinham na superfície do solo sinuoso da existência?! Como se uma montanha pudesse ser vencida apenas com o chegar ao seu topo... Como se chegar ao topo aumentasse a altura de quem chega... Ninguém conquista uma montanha, nunca ninguém conquistou uma montanha! O homem, quando muito, é tolerado, apenas, nas grandes alturas. Como um camelo tolera a pulga sem seu dorso. Assim o homem no alto dorso das montanhas. Pulga que se entusiasma consigo mesma e esquece-se do vento... Fosse, antes, um pequeno pássaro e faria seu ninho entre as grandes rochas altas, tranquilamente. Fosse ele engenhosa aranha e teceria teias sutis entre os vãos dos galhos e residiria protegido entre as sábias árvores.
          Que há entre um homem e uma montanha que não seja silêncio?! Incomunicável?! Haverá homens tão altos por dentro quanto uma montanha em seus contornos?!  Que extremidades buscam como mirante quando ainda nem elevaram os olhos por sobre os muros de indiferença que construíram em torno de cada um?! Porque a ânsia de devorar paisagens se dos olhos para dentro nada se transforma?! Será então que pretendem ler as nuvens mais de perto ou buscam novas estrelas entre as estrelas só para batizá-las com nomes humanos?! O que lhes deu o acreditar que realmente batizam estrelas?! Tão transitórios, como tudo, aliás, mesmo as estrelas... Que crepúsculos fantásticos esperam contemplar nas grandes alturas se não vislumbram antes o eloqüente alvorecer da vida em seus próprios olhos?! Que algo incrível depositaram no cume de uma montanha que gera tamanha ânsia de tornarem a vê-lo?! Seria acaso essa volúpia de asas invisíveis seu maior desejo?! Suas vozes frementes não tocariam nem mesmo a borda macia das nuvens mesmo que seus pulmões se dilatassem ao extremo?!
         Como podem pretender decifrar sinais nas estrelas se nem mesmo reconhecem seus verdadeiros nomes talhados pelo tempo em seus gestos?! Seus olhares absortos não tocariam nem mesmo a franja do brilho das estrelas quanto mais a essência do que há além das estrelas e que se movimenta como um oceano sem fim ao redor de tudo. Podem sondar grandes regiões do espaço com suas máquinas frias, mas flutuam ainda indevassáveis seus seres na neblina da noite de suas incompreensões!! Se sobem uma montanha para elaborarem perguntas ou para obterem respostas, então, é em vão que a sobem, pois a uma montanha nada  se interroga. E mesmo que fossem capazes de perscrutar essa atmosfera de intensos silêncios, conseguiriam com as asas tão curtas e frágeis de seus pensamentos mantêr-se em voo equilibrado perante a grandeza dos ventos?! Que espécie de fôlego revificante seus pulmões almejam ao atingirem as imensidões?! Respirem primeiro suas grandes vastidões de silêncios interiores antes de lançarem ao ar suas inquietações infinitas!!               
           Porque o homem é a eterna indagação de si mesmo. Alcançada uma montanha pequena de seu entendimento e logo está a vislumbrar novos picos maiores e inacessíveis. Será a nostalgia da pureza da solidão movendo-se nos labirintos de sua mente?! Acaso lembram seus ombros curvados de tempos imemoriais das asas que um dia portaram e apontavam para o céu confiantes de seus vastos horizontes?! Ou será apenas sonho esse constante lançar-se ao extremo do que desconhecem?!  É possível que creiam, que com palavras aladas tecidas nas brumas dos seus pensamentos alcançarão o sol, a lua, sem dissolverem-se a meio do caminho no vendaval de poeira de planetas esvanecidos?! Transitarão mesmo entre as caravanas de estrelas peregrinas ao erguerem os olhos para o que não compreendem?!  Pequenos seres moventes no orvalho da eternidade, que montanhas construíram entre si que não podem mais se olhar, a não ser à distância, cada um plantado no topo de seus receios a buscarem-se com lunetas. Não se sobe uma montanha com  olhar fixo no topo, mas atento ao chão do próximo passo.
 Se possuíssem por um instante a visão das montanhas ainda seriam curtos seus horizontes se não possuíssem a visão elevada de si mesmos.
             Caminharão com a mesma coragem com que resvalam nas encostas de pedras das montanhas pelo paredões e abismos incomunicáveis                                                                             dos silêncios  rochosos e íngremes  de suas almas?! Possuem lanternas para as trilhas mutáveis do pensamento?! Por quantas noites profundas e inclinadas sobre o vazio acamparam serenos no topo de um esquecimento solitário de seus próprios medos?!  Se fossem antigos como montanhas... mas seriam apenas antigos ...não como montanhas... Quantos séculos vive um homem para que possa perguntar qualquer coisa àquilo que viu  nascerem séculos  e oceanos?! Uma montanha decifra-se a si mesma sem qualquer grão de palavra humana. Quem escreveu com raios de sol a cor da fronte das montanhas?! Que sopro indizível rolou ventos poderosos que delinearam os contornos das arestas das rochas?! O mesmo respirar profundo que suavizou as crinas dos picos agudos eriçou as barbas longuíssimas das escarpas milenares. Que letras indescritíveis tornearam o relevo dos mares de morros e deram forma as estrelas que apenas vêem como milhões de gotículas de luz na estreiteza de seus olhares?! Que mistérios buscam elucidar nas pontas das montanhas se nem ao menos conhecem a raiz ansiosa de seus próprios mistérios?! Acaso suspeitam vagamente de uma extensa montanha coberta de névoa a emergir lentamente de seus silêncios abissais ou prestes a romper a crosta profunda de suas incertezas cultivadas?!
         Não há, nas montanhas, mistérios ajustáveis às humanas sentenças, há clarezas, mas de um tipo que seus olhares não comportam porque imprecisos e ofuscados por si mesmos. Podem perfurar cavernas e galerias no torso nu das encostas e talhar caminhos nas rochas que apenas suas trêmulas pernas poderão atravessar, há mesmo certos tipos de cupins de atacam até mesmo a dureza das rochas, podem rasgar escadas na aridez das pedras e extrair das grotas mais sombrias minérios brilhantes que extasiarão seus olhos presunçosos, podem até mesmo revirar as montanhas pela raiz e desnudar nascentes, entretanto, poderão chegar ao coração das montanhas assim?! Saberão do que realmente são feitas?! Saciarão sua sede do que está escondido?! Crescerão seus músculos à altura daquilo que derrubaram?! E seus pensamentos se elevarão sobre ruínas?! Podem fazer brotar em recônditos inatingíveis um olho d’água que será um rio destinado ao mar?! Para uma montanha um diamante é o mesmo que um cascalho, um torrão envolve uma pepita de ouro e é tudo o mesmo, tanto quanto o homem é um cupim com uma picareta na mão. Terão no peito uma pepita, um torrão ou a silhueta de uma montanha talhada com o cinzel da eternidade?!  
         Ainda há pouco era apenas um apanhador de frutos entre as planícies, com temor até dos vãos escuros das árvores à hora do anoitecer. O que o fez erguer o pescoço por sobre os montes mais baixos?! Que ensejo projetou seu olhar miúdo a sondar o firmamento?! Olhou para dentro num instante e pasmou-se incógnito?! Ainda ontem talhava deuses tumultuosos de sua imaginação nas pedras e na madeira e se esgueirava aturdido na tempestade para sua choupana na mata. O que sonhava seu existir enquanto as montanhas se encaixavam em suas bases?! Nas regiões mais desabitadas onde o olho humano não alcança que vestígios de montanhas testemunham numa língua muda o transcorrer de eras que nenhuma sonda detecta.     Podem viajar pela terra, pelo mar, pelo ar, mas o que lhes garante que o projetar-se cada vez mais para o alto poderá alçá-los além de sua pequena esfera de entendimento se ela mesmo é uma redoma mental a acompanhá-los no voo. Amplifiquem antes os contornos de seus pensamentos ao invés de tentar perfurá-los com um foguete. Assim é que os grandes astros projetam sua luz, concentricamente. Mas que sabem de grandes distancias usando a si mesmos como medida?! Medem o tempo com o mesmo instrumento com que se acorrentam. Se ao menos descessem do cimo de seus nevoeiros...
          Se pudessem encontrar no alto de montanhas o que tanto anseiam ,estariam satisfeitos ou seria o início apenas de uma nova trilha para mais alto?! Que tesouros são esses que garimpam entre as estrelas?! Se os encontrassem teriam como adquiri-los?! Ou desabariam prostrados pelo próprio perscrutar de abismos?! Têm predileção por mistérios, mas os mistérios mesmos não têm predileção alguma por seus meios. Talvez não seja senão apenas mais uma palavra decorativa no panteão de seus deuses turvos. Por serem deuses têm de ser incompreensíveis?!  Ou não tardarão a esquadrinhar novamente vestígios do futuro no grão a grão dos dias?!  Entalharão então estátuas de si mesmos no aço quando poderiam estar aparando as arestas de pedra de seus espíritos esquecidos?! De onde vem a ideia de que podem alcançar sabedoria subindo montanhas?! Se tão pouco entendimento têm de suas próprias perspectivas... Acaso saberão discernir a voz do vento da voz silenciosa das pedras?! Uma montanha está para ser escalada tanto quanto uma alma para ser esculpida. Primeiro redesenhem seus olhares sobre si mesmos , meçam  as alturas, as profundidades, caminhem pelas trilhas estreitas da mata espessa de suas solidões, depois pensem  em subir  montanhas. Mas subam primeiro a montanha que há entre a ação e o pensamento. Ou será que imaginam edificar altares nas alturas e crêem ser isso algo grandioso quando não são nem mesmo soleira para a poeira do universo.
                 Então não sabem que nada há para além das alturas que não possam abrigar em seus corações, altares naturais do sentir?! Se o Deus que tanto buscam, mas escondem cada vez mais distante nos confins do espaço não está abrigado em seu peito onde estará então?! Para que sobem montanhas com toda essa parafernália quando espiritualmente ainda nem descobriram o fogo?! Quando alcançam o ponto mais alto de uma montanha conseguem também perceberem-se alcançados em seus pontos mais elevados?!  É por suporem que a paz seja algo tão difícil de atingir que buscam as altitudes?! Mas se ela está onde se é colocada, apenas. Ou será que sentem vertigem de estar no chão?! Se montanhas pudessem ser conquistadas, elas não o seriam nem assim... Só pode ser conquistado aquilo que se sente conquistado. Homens são vencidos, montanhas, não.    Quando chegam a um topo de montanha são por ela nem conquistados nem vencidos, são abençoados. Comparar-se a montanhas é não saber de si mesmo a extensão e tampouco algo sobre montanhas. Como se subir montanhas transmitisse sabedoria pelos simples gesto de subi-las, macacos sobem uma montanha, e mais facilmente... Como se ao chegar ao cume não houvessem outras montanhas maiores além dos olhos... 
Que uma montanha, mais alta que seja, é ainda um degrau, o primeiro. Que um homem, mais baixo que seja, é um escalador de si mesmo, montanha que olha a si mesma e não se reconhece.