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domingo, 20 de dezembro de 2009

Teu coração ao mar...


Há uma leve, lenta chuva em teus olhos noturnos,
finíssima cortina de água sob a luz mortiça das ruas,
ruas caminhadas lentamente dentro de horas silenciosas
em que tua cidade dorme e teus olhos
sonham...
As janelas fechadas não vêem a noite
quieta e suave, pousada sobre o mundo
a noite é um denso véu de nuvens escondendo estrelas
que teus olhos avistam mesmo assim
enquanto caminhas,
enquanto caminhas, flores serenas e anônimas
vertem aromas buscados em teus cabelos,
em teus sorrisos que são paisagens de paz
os dias tecem as cores novas da aurora
e tua pele inaugura praias morenas num verão
que nunca cessa.
As ruas se entrelaçam no tempo
e te levam, mãos dadas ao vento peregrino das madrugadas,
por lugares serenizados e indeléveis
como a lembrança do mar dançando em teus tornozelos
sob a infinita lua dos teus silêncios.
Há uma palavra desenhando momentos
em teu olhar, colorindo teus movimentos,
as gotas de chuva são pétalas minúsculas
acariciando a maciez do teu rosto
enquanto caminhas dentro dessa noite funda
e povoada de mistérios
teu coração é uma canção no vento
viajando para o mar...

Sede do chão...



   Sediará o chão meus movimentos, sede do chão bebendo meus cabelos, tanto quanto as raízes prolongando-se dos meus dedos, quem sabe assim, tento, sem saber que tento, conhecer sementes, por dentro, cairá leve ou pesadamente, esta água que nuvens colhem, cairá sem questionamentos, sobre troncos e terra e meus olhos inundar-se-ão tão facilmente, tão facilmente se desagregará a palavra que visto e que nomeia meu gesto, tornada grão, de terra, ou menos, no vento, tornada leve como pena, sem pena, nem contentamento, o tempo que age  tornando tudo o que toca, pequeno, ou mesmo,  quando grande, passageiro, porque assim é que é, o tempo, cobre-me de silêncios, ou de flores, cobre-me por inteiro, reparte-me, em gotas, sobre capinzais amarelecendo-se ou sobre montanhas nascendo, mares que não duvido dividirão meus espalhamentos, poucos serão os vestígios de meu nascimento, uma folha que foi uma pálpebra, a boiar no vento, uma pétala, talvez um lábio, numa manhã amena, um filete de palha ou fio de cabelo, num ninho trançado, um traço de íris numa asa colorida de borboleta, um filamento de raiz nova que foi um nervo ou um fragmento do que sorriso foi um dia e breve será composição de semente, talvez pássaros me semeiem e campos distantes  me recebam como recebo agora a chuva no peito, nos ombros, que serão talvez pedras em costeiras lapidadas pelo mar, chuva que me diluirá em matas, rios, lagos, logo, logo, que  eu seja solo ao sol ardente dos trópicos.

De mim este seu silêncio...





  De mim esse seu silêncio foi herdado mesmo que desconheça o exato momento em que foi gerado seu respirar por esses caminhos que traça no tempo, caminhos tecidos em seus olhos e nos olhos de todos os seres pela sutil tessitura de meus elementos, a conjuntura de todas as linhas, frágeis ou rústicas, todas elas perfazem seu trajeto transitório e fenecem e mesclam-se na contínua mutabilidade de tudo.
     De mim esse seu alento tornado voz, a voz de tudo o que é vivente, o alto fôlego das aves na peregrinação dos ventos, a linguagem intraduzível para seus ouvidos é para mim eco apenas de minha fala que move os ciclos todos do existir, de mim seu alimento retirado, semeado, retornada também sua textura, alimento que será também um dia para outros seres em seus movimentos de sucederem-se e surgirem e ressurgirem variadamente.
     Em mim, leito que sou de infindáveis rios, toda a germinação das esperas longamente orvalhadas, o recolhimento das chuvas não retidas porque cumpridoras de suas jornadas naturais de esparramarem-se sobre indetermináveis campos, toda a floração das cores polinizadas por sábios bicos e asas, em mim, o cumprimento das estações a seu devido espaço de tempo, a duração dos percursos elementares, o brotar das sementes das épocas, os dias de recolher-se, os dias de expandir-se, os momentos de quedar-se, os instantes de integrar-se, inesgotavelmente em mim, para onde retornará em silêncio transcorridas suas etapas, transfigurando seus caminhos para caminhos novos desconhecidos, mesmo que não saiba quando,pois de mim é fruto e para mim serão também seus frutos, suas sementes constantemente a germinarem em mim que sou a origem e o caminho e o destino de tudo, eu, que sou a TERRA.   

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Itinerários


Desenhei meus rumos
na inconstancia dos ventos,
nas nuvens modelei minhas palavras
e meus silêncios,
meus silêncios choveram conforme as circunstancias
sobre a vastidão dos momentos.
Eu fui apenas onda
num grande mar de acontecimentos...
Adentrei distancias
que as noites não dissolveram
nem mesmo o tempo
foi meu companheiro onde eu estive,
onde eu estive
é como tentar prever o vento...
Rabisquei poemas com os dedos
unindo estrelas,
dialoguei com tempestades, as de fora e as de dentro,
em altos de montanhas serenas,
eu vi o caminho do sol e as estações
vestiram-me com seus movimentos
e eu fui folha apenas
e fui vento...
Escrevi meus caminhos
com a tinta ocasional dos dias e noites,
indelévelmente,
sem pressa ou atropelo,
com algum medo, com algum desassossego,
naturalmente,
na poeira das estradas deixei um pouco da poeira
de mim mesmo...
Minhas pernas debateram longamente com distancias
impossíveis de nomear,
meu próprio nome era um rascunho do tempo.
É possível que eu esteja mesmo em todos os lugares
em que já passei
e os que não conheço em mim estejam
mesmo que eu não chegue nunca a alcançá-los
nem percorrê-los.
Quando o tempo soprar-me novamente
semente de sol numa outra existência
estarei sereno, estarei pleno, imerso na insondável trajetória,
grão de universo polinizando estrelas.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sobre cartas


     De nenhum lugar, de lugar algum... De um lugar distante, de um lugar tão perto... Escrever cartas é um exercício de aproximação, com alguém em especial e com nós mesmos, as ondas despejam notícias do mar todos os dias na areia da praia, quantos leem?! Todos somos náufragos ou navegantes ou ilhas flutuantes no tempo e lançamos às águas nossas garrafas com mensagens. Nossas cartas são nossas vozes falando em silêncio. A vida é, a um só tempo, mar e jangada, nós somos o remo, ou a vela, ou o vento. Ou tudo isso em variáveis momentos! Ou a madeira boiando à deriva depois do naufrágio! Há, em cada um de nós, uma ilha desconhecida e um mar aberto, mas ambos habitam o mesmo vento, às vezes brando, nem sempre sereno. Uma ave solta de um barco procura sempre terra firme, assim como um pensamento. Milhas e milhas, em silêncio, as cartas navegam, voam, percorrem estradas insondáveis e depois, abertas - esse baú de palavras - bem podem ser um tesouro ou um suave esquecimento submerso numa gaveta sem chave. À deriva numa correnteza de uma vida quantas outras vidas prováveis?! As aves às vezes voltam sem ter encontrado um topo de árvore, um pouso de escala na longa rota dos momentos. Também há cartas que um dia voltam e dizem novamente o que já foi dito e perfazem outra vez o itinerário feito. E falamos mais uma vez, para nós mesmos. Viajando longe e escrevendo cartas, escrevendo longe e viajando cartas... Frases escritas de um lado de um oceano de distância, lidas numa solidão noturna de um outro lado desse oceano, talvez ao ar livre sob estrelas, talvez na cabine de um quarto com a chuva tamborilando nas janelas. Notícias antigas vivificadas, novidades envelhecidas em viagem, e tudo viaja junto a uma carta, quem escreve, quem entrega, quem abre... E mesmo quem não sabe, nas ondas-linhas de uma carta, viaja. Pudessem todas as cartas serem abertas, ( e toda ostra contém a possibilidade da pérola!!) , e lidas à beira do mar e as palavras se misturariam ao vento, e se misturariam ao fundo e falariam muito mais... Uma praia tranqüila sob o sol, ou um temporal sobre um convés, uma carta. Relatos de lonjuras perdidas, retratos das proximidades vividas, todas as âncoras recolhidas e um rastro de cidades e palavras atrás de mim. Eu escrevo cartas e me envio nelas, ou, ao menos, um pouco de mim, e como se fosse recebê-las, ponho nelas um sorriso como selo, e no lugar de um ponto final, se pudesse, poria um pôr-do-sol sem fim. Pudessem, também, todas as cartas serem escritas na areia de uma praia, porque ao contrario do que se acredita, o mar, ao invés de apagá-las, bebe todas as palavras e as leva distante até uma outra praia onde um dia as ondas cantam e contam-nas na canção do vento, na canção do mar. Ouve!! De um amanhecer a outro, inesgotavelmente, o mar despeja notícias, recados, histórias, preces, cantorias e temos tanto de treinar melhor nossos ouvidos quanto aprender a escrever com as vozes de nossos silêncios.

Sobre cartas (2)

  Cartas... Quantas vezes imaginei-me carteiro!! Quantas vezes enviei-me em cartas?! Quantas cartas viraram barquinhos de papel na enxurrada?! Ou silenciosas fogueirinhas tristes na madrugada?! Quantas escrevi para mim mesmo?! Quantas não chegaram ao seu destino, ou, mesmo chegando, não o atingiram?! Guardadas em caixas de sapatos, em gavetas silenciosas, em velhos baús de madeira...
     Escrever cartas é conversar com o tempo. Negociar com as distâncias. Navegar sobre uma folha com o pensamento. Nadar em torrentes de palavras às vezes e caminhar descalço num deserto outras tantas... Cada carta que segue é uma visita silenciosa de quem escreve, muito embora, toda carta contenha uma canção, ou várias. Toda carta tem sua trilha sonora.
     Há cartas que ficam velhas, outras, cada vez mais novas. Para se entender o mistério, escreva-as. Aguarde a resposta... Às vezes não há respostas. Silêncio!! E toda carta nasce de dois silêncios, um que escreve, outro que lê. Um silêncio que espera e um silêncio que viaja. Pudesse um envelope conter tudo o que não se consegue pôr numa carta... E colocariam-se auroras e entardeceres, luas cheias e mares, viagens e lugares, estradinhas de terra e pomares...
     Escrevo uma longa carta para alguém há muito tempo e não consigo terminá-la... Escrevi uma carta ao mar, na areia, numa manhã de sol. A maré subiu, veio a onda e recebeu-a, levou-a, leu e apagou... Fiquei silencioso quando escrevi uma carta ao vento, não queria que as palavras voassem antes do tempo.
     Esperamos que as cartas cheguem e as cartas esperam que nos encontrem. Vista-se com suas mais belas palavras quando for visitar alguém em carta. Coloque uma canção nas entrelinhas, não ponha datas, não tente prender palavras no espaço limitado de um dia, suas asas logo saem pelos vãos das grades de lembranças e voam no espaço infinito. Quantas cartas lidas e relidas tanto tempo depois e, entretanto, às vezes, algumas parecem ter sido escritas ontem, ou mesmo, nesta manhã apenas... Exalam o frescor das plantas sob o orvalho.
     Eu quis escrever uma carta sobre o tempo e o tempo escreveu-me numa carta de vento. Com palavras de folhas, num momento. Num momento, neste, cartas voam, navegam, partem, chegam... Esquecem-se, lembram-se...
     Uma carta gravada em pedra num monumento que ninguém lê... Belas belas as cartas escritas a lápis, ou em cima de árvores, ou em barcos, ou no alto  de uma montanha... Belas belas todas as cartas, mesmo as mais tristes, belas pelo ato de escrevê-las.
Uma vez eu fui uma carta longamente esperada, e não cheguei... Outra noite eu era uma carta dentro do silêncio de um quarto, lida com a saudade que a s conchas levadas para longe sentem do mar.
     Num amanhecer vi-me no meio de um vendaval de cartas numa vasta praia vazia, miríades de palavras misturadas na areia, nas águas, gotejando das estrelas, escorrendo dos olhos... E o mundo era uma grande carta de Deus a humanidade.
    

Sobre cartas (3)

(Carta encontrada dentro de uma garrafa por um menino em... há muitos anos...) 
         Escrevo esta carta de uma ilha em algum ponto remoto do oceano... Mas é certo que não sou um náufrago, não mais o sou. Também não quero dizer que fui resgatado. Não. Estou nesta ilha, e escrevo. Mas não sou um náufrago. Provavelmente, enquanto mãos distantes abrem estas folhas e uns olhos as leem, eu estarei nesta ilha ainda, de toda forma. Sempre estarei. Apenas não sou naufrágo, porque há muito deixei de sentir-me como um. Não importa se um navio afundou e sobrevivi e nadei até aqui, Esta ilha em algum ponto remoto do oceano. Pode não ter sido bem assim, quem viu?! Não me lembro, nunca estive nesse navio... Essa carta dentro dessa garrafa: isso não é um pedido de socorro!
E, ademais, mesmo que fosse, poderia ser tarde, quanto tempo leva para alguém encontrar uma carta dentro de uma garrafa solta no mar?! E para achar uma ilha perdida?! Não, não é um S.O.S., é apenas uma carta dentro de uma garrafa. Quem vai ler?! Quem a encontrará?! Será que quem a achar vai devolvê-la ao mar?! Será jovem, será velho?! Talvez ninguém a encontre, afinal. E tudo estará, da mesma forma, bem. Palavras navegantes num pequeno navio de vidro. Talvez esta garrafa espatife-se contra uns rochedos, talvez esta rolha caia e as palavras, livres, claras, nadem silenciosas no mar do tempo, ou em outros mares, ares, navegares... Em outros mares naveguei que não neste, que me rodeia agora, enquanto escrevo, nesta ilha desconhecida em que cheguei, e que me é tão familiar, entretanto, como se nela eu tivesse nascido.
     Aqui vivo, viverei! E, enquanto alguém a lê saberá quanto tempo esta carta viajou até suas mãos?! Não escreverei a data de hoje, não há datas aqui, nesta ilha, nem em mim. Se for uma viagem longa, se estas palavras dentro desta garrafa demorarem ainda muitos e muitos anos até reencontrarem olhos humanos que as recebam, não importa, ainda estarei aqui, nesta ilha, sempre estarei. Apenas imagine um lugar com árvores, não precisa ser muito grande, mas pode ser, um rio descendo por entre uns morros verdes, algumas praias cheia de peixes anônimos, o vento sobre tudo, nisto estarei... Talvez nunca a leiam, assim mesmo, escrevo. Para quem?! Não sei! Outras ilhas que desconheço?! Noutros mares que não nadei?! Para mim mesmo?! Quantas já enviei?! Que ondas a levarão (ou levaram) a quem a estiver lendo, neste momento?! As águas não são feitas para responderem aos homens, e estes as vasculham a procura de que além de si mesmos?!
     Não escreverei uma data, posso colocar qualquer uma, afinal, até uma que ainda não chegou e que flutua nas marés de daqui a trezentos anos... Nem nome algum colocarei, não há nomes aqui, nesta ilha, nem em mim. Outros, se quiserem, inventem uma ilha e imaginem que estou lá, escrevendo...
     Pode ser... Pode ser mesmo que haja muitas cartas dentro de muitas garrafas soltas num oceano... Muitas, milhares, e elas percorram distâncias e continentes, e não se vejam, não se falem, à deriva num mar de momentos. Cartas que somos de nós mesmos se não nos escrevermos claramente, quem nos lerá?! De forma que se compreenda! É preciso mesmo que durante séculos alguém numa ilha, em algum ponto remoto do oceano, escreva cartas e as lance ao mar dentro de garrafas?! Quantas garrafas pode haver numa ilha para tanto?! Às vezes, apenas uma, ou nem mesmo esta. É possível mesmo?! Que uma carta viaje tanto assim e que esteja agora alguém a lendo?! Quem a lê agora?! Cada linha escrita vai deixando atrás de sí um rastro de silêncio. Cada silêncio vivido contempla a frente de sí uma trilha de palavras...
     Aqui, nesta ilha perdida e permanecida perdida nalgum oceano remoto de um mundo, escrevo esta carta sem direção, sem o leme dos dias, sem a âncora de um nome, sem a rota das horas, sem a saudade dos portos, sem a espera dos náufragos. Coloco-a nesta garrafa e lanço ao mar sem desejar-lhe sorte, sem desejar-lhe nada. Apenas que se cumpra! Como for! E apenas me deito na areia nesta noite sem data perto de uma fogueira e olho o mar, e olho o céu e fico escrevendo com os olhos cartas com palavras de estrelas que em algum lugar neste momento alguém estará lendo...

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pescador de sorrisos...



Dentro de que gesto meu eu desenharia
com nitidez total o que penso?!
Em qual das minhas mãos reside a semente
que eu ainda não plantei?!
Com qual delas eu a arremessarei?!
De qual palavra que eu ainda não sei
nascerá uma confiança e um sorriso?!
Quando eu a disser, saberei?!  
Minha voz às vezes diz
o que eu ainda não disse por dentro?!
Qual de meus pés dará o passo primeiro
perante a verdade e perante tudo o que existe
como reconhecê-la?!
Com qual olhar puro e tranquilo
direi uma palavra silenciosa
que inaugurará um sol num outro olhar?!
Serei, assim,
um pescador de sorrisos em rostos tristes
ou semeador de alegrias
em caminhos longínquos?!
Através de qual pensamento simples e nítido
como água descendo um rio
gerarei o ato construtivo da aproximação?!
Durante quantos silêncios
falará em mim o que não se exprime
e o que não conheço?!


Presença



Que seja como um rio - tua presença -
fluindo no imenso coração da noite
nem lento nem correndo,
ameno.
Que seja mais, que seja
qual um vento soprando de terras distantes
e trazendo a tua voz dentro
da voz do silêncio.
Que venha, indecifrada e vária
tua saudade desenha linhas serenas
na face nítida do tempo.
Que, de tudo, seja tua presença
(assim tão facilmente, assim tão calmamente!!)
O mistério renovado e livre
de surgir em mim,
em mim como no horizonte
um novo dia chega.



sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Para uma vida em paz...


Acalma o teu passo, quando o cansaço se colocar
entre o teu caminho e o horizonte que  almejas,
é preciso, assim, também, que repouse teu espírito
tanto quanto descanse o corpo.
Cuida, porém, para que sigam juntos, harmoniosamente,
sem que um prevaleça sobre o outro, pois ambos são tu, integralmente.
Olha com paciência os percalços
que porventura se ergam em teu caminho,
mais, age com paciência sobre eles, edifica
degraus com essas pedras, pensando não somente em ti,
mas também nos que virão depois de ti, e
talvez precisem, em algum momento,
da união de esforços para se restabelecerem na jornada
como um dia precisastes também, ou precisarás ainda, certamente.
És peregrino, tanto quanto tudo o que existe,
não invejes a duração das estrelas, das montanhas ou do mar,
pois eles trilharam um longo e difícil ciclo até serem o que são
e tudo o mais, desde o mais frágil ser,
percorre um trajeto único e próprio
que se traduz, não através do tempo que dura,
mas do esforço natural em realizar-se.
Esforça-te, portanto, em preencher com dignidade e paz
a tarefa que te cabe atualmente dentro dos limites do teu existir.
Silencia, quando necessário, tua mente,
para que possas dirigir-se com palavras construtivas
lapidadas nos momentos de serenidade
àqueles que cruzarem teu caminhar
independente do tipo de palavras que te digam
e da luz ou das sombras que contenham.
Não deixes que as nuvens de tuas dúvidas
e inseguranças acumuladas obscureçam teus olhos,
pois elas existem, de fato, mas não devem ser maiores
do que o sol de teu entendimento e o céu de tua compreensão.
Transforma as chuvas de mágoas que te assaltam o peito
em estímulos para novas sementes de purificação e perdão.
A natureza nunca age em detrimento de nenhum ser,
apenas cumpre, sem culpa, seus processos de renovação.
Aprende com ela, a utilizar de tua força
não para o domínio de outras manifestações de vida,
que isso é uma grande ilusão, pois sempre haverá algo
mais forte do que ti e que poderá por a perder os teus dias,
mas para tua própria construção
servindo-te dos recursos que são disponíveis em teu ser.
pois, acredite, por mais que o mundo
possa parecer injusto e cruel aos teus olhos, e
frequentemente ele o é,
nenhuma criatura, por menor que seja considerada, vem a esta terra
sem ser agraciada em seu íntimo
com um impulso natural ao crescimento.
É inerente à vida o dom de perpetuar-se.
Este é também um mundo repleto de encantos e grandiosas realizações
e não raramente a verdade e a beleza estão ao alcance de tuas aspirações.
Educa-te para que corrijas em teu pensamento
antes mesmo de tuas ações, qualquer traço
de ressentimento ou cólera, mas não te escravizes ao policiamento constante de si
sob o risco de não usufruíres da espontaneidade do ser.
Permita-se errar, permita-se, mais ainda,
descartar os erros como pedras ruins para o alicerce da alma.
Não enalteças a leviandade, mas também não ate à inflexibilidade o teu discernimento
sob pena de teus atos serem também avaliados pela ótica de apenas um ponto de vista
e a verdade é muito ampla para estar nas mãos somente de alguns poucos.
A quem não sabe nadar toda água pode parecer funda
e não muitos realmente são os que ousam ir além da superfície dos fatos e das palavras.
Cultiva a tua liberdade
começando por não nomeá-la, nem impondo-a
como senhora única de teus pensamentos, pois teus olhos
poderão ficar cegos à liberdade do que te circunda,
cultiva-a como dádiva dada a cada criatura
para que se manifeste inteiramente plena em suas potencialidades.
Cultiva, mais do que com palavras possivelmente belas,
o Amor, em atos silenciosos e eloquentes
mais do que qualquer discurso, espalha-o
como a nascente d'água que vai crescendo e não pergunta
que campos alimentará com a sua obra.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Deixe-se





   Deixe-se levar para longe, deixe-se levar, num instante, talvez o vento se afeiçoe as suas roupas e a poeira se apegue a seus pés, talvez as estradas reconheçam seu passo e o sol pouse macio em seus ombros, talvez a chuva lave seus cabelos crescendo e um fim de tarde presenteie seus olhos com um poente sereno e  um arco-íris no mar. As ruas se despedirão andando, haverá sempre novas velhas ruas para dialogar com as pernas , haverá sempre caminhos novos a inventar, deixe-se levar para onde, queira, esse levar-se sem nome, ser apenas olhos, e horizonte. Com a nuvem, deixe-se levar até quando, até quando deixar-se seja grande, tanto quanto seja simples, deixar-se. Que perder-se é pouco, perto de poder encontrar-se, em lugares, em momentos, em instantes, inesperados, indizíveis, inimaginavelmente grandes, e ao achar-se, mais, ir além, de si mesmo, e, ao perder-se, não se apegar a eses contratempos. Cantando, segue, mesmo que sua canção seja silêncio, mesmo que pese, nesse silencio, o passo longo e incerto, leve-se para onde, levar-se seja, leve, e , livre, e tudo o que possa ser, nesse levar-se, seja. Deixa, apenas, que tenha alma, e calma, esse andar, que não seja pressa, que não tenha hora, certa, de ir, ou chegar, mas se chegar aonde, queira, parar, pare, apenas, se o coração falar. Deixe-se levar para longe, deixe-se levar, num momento, talvez uma palavra conduza seus rumos, escolha-a, sabendo que pode mudá-la, a qualquer instante, sem medo, talvez não encontre o que sonha, talvez, encontre primeiro, dentro dos olhos, depois, naquilo tudo que olhar, mas sem deixar que passe, seu tempo,sem deixar-se, ser, o que quer que seja, é breve, lembra, há tanta razão de ser, num grão de poeira, tanto quanto numa montanha inteira, e só o tempo conhece, o caminho entre um e outro, para o pensamento, uma eternidade, para uma estrela, apenas, um momento...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Viajar






















Viajar:
colorir silencios
navegar vendavais
Ver cada amanhecer  num novo lugar
ver o céu de uma montanha
e ver estrelas do mar.
Conhecer por dentro as chuvas
abraçar no peito o sol
soltar-se no vento
andar
somos todos caroneiros do tempo
cada qual com sua mochila de histórias
e silencios
cada um:  caminho de si mesmo.
Viajar:
habitar momentos
tecer canções no ar
palavrandar as distâncias
sentir de perto os cheiros e  as texturas das árvores
seguir o rumo  das nuvens e como nuvens, não ter apego
a itinerários  certos,
ser vasto
e inteiro
largar-se
há uma verdade em cada esquina,
não ter medo de descobri-la
há uma eternidade em cada vida
e renova-se, infalivelmente,
cada vez que nasce o dia!!

Sobre todas as coisas



Tenho ainda de inaugurar
um silêncio indizível
mesmo que me faltem agora,
 ( e não cabe adiamento!! ),
os gestos certos para esculpi-lo.

Os meus olhos não sabem ler o vento
nem  as ondas e o texto
infinito que há nas suas entrelinhas,
mas muitos sonhos habitam neles
e especialmente, pessoas.         

Tenho ainda de reedificar
os poemas nunca escritos
para que quando nasçam em minhas mãos
sejam simples querendo ser eternos
apesar de mim.

Eu levo meu corpo pela vida
resgatando o calor macio e puro
de um abraço complacente.
Digo oi ao tempo, sigo um caminho
onde o tempo não é inimigo.



domingo, 18 de outubro de 2009

Ao mar, sempre...


Ao mar, sempre, retorno. Mar que é em mim mais do que qualquer outro tempo seria. Águas, sou, das águas eu vim, às águas voltarei, sem demora ou pressa, sem contratempos, no tempo exato de ser, meu caminho, não mais andar, mergulho, vasto e silencioso, fundo, distancio-me da forma que habitei um dia, sendo o que se transforma, constantemente, em correntezas temporárias, em transitórios rumos, sigo, como rios correndo, correndo, sem saber do mar. Ao mar, sempre, apenas, deixo meu corpo, porto para tantos momentos, minha voz desenhada entre tantas vozes longínquas, perdidas, entrecortadas de grandes silêncios, minha sede de ser, ao tempo de ser, mar, que remove naufrágios e perdas, das ilhas que nasceram de minhas mãos, meus gestos de aproximação, enquanto, vem à tona meus devaneios, nada mais que há será mais profundo do que esse lançar o olhar ao horizonte pleno, azul, e quando turbulento, imenso, sobrepondo arrecifes, torpor para navios soltos, indefesos. As horas todas sem âncoras, sem direção enquanto nado, enquanto nado nada em mim o mar do tempo, sem fim, sem nomes que me prendam ao solo, sem memórias que me digam datas, além de palavras, som, que não se traduz, além de vento, ondas, crescentes e alheias, e nem perguntarei deles, os dias em que me retive em terra, as ruas que andei, erram por aí isentas de meu destino mar, nuvens, chuvas que me reerguem da terra pura e me derramam em águas, onde serei sal, sol, espumas, peixes, duras pedras nuas, pacientes, a olhar, estrelas, poeira de planetas, diluo-me no girar das águas que me conhecem desde sempre, profundezas milenares que teceram a cor dos meus olhos, o voo longo e solitário dos meus sonhos, a linha dos meus ombros, imersos em improváveis rumos, mundos, de inimagináveis seres, onde serei não mais que uma gota imperceptível a flutuar... Ao mar, sempre, volto como se voltasse para mim mesmo, mar que sou, desde já, aqui mesmo, enquanto cumpro ainda meu preencher-me de fôlego, de passos que me levam para não sei onde, até encontrar-me praia, onde caminho, descalço e nu de qualquer pensamento que não seja mar, que não seja vento, que não seja esse encontro de céu e água no meu peito, feito também água, feito mistério sereno, em horas inencontráveis dentro da vastidão das noites, quando for apenas nada mais do que areia no fundo do oceano esse meu silencio pleno que retorna, ao mar, sempre!!

O baú dos sonhos perdidos e vividos





Aprendi com o tempo
devagar, dolorosamente às vezes,
que é preciso
ter as mãos abertas para os encontros, o sorriso simples e
a vontade redescoberta
a cada manhã.
Aprendi muitas coisas,
me tiraram outras tantas...
Nem por isso
me perdi ou me esquivei,
não me escondi  do abraço,
mesmo quando inesperado.
Não cicatrizei em mim
as lágrimas,
deixei-as, vir,ir e fluir
como águas que são...
Tive medo muitas vezes,
muitas vezes disse palavras ásperas
que feriram alguém, muitas vezes
fui eu que as ouvi...
Mas não fui indiferente à vida,
experimentei acreditar nas verdades
que construíram meu ser, e ainda constroem,
procurei compreender as pessoas,
tentei compartilhar, tentei não negar,
busquei respeitar   as verdades
que cada ser traz em si.
Talvez não tenha feito o suficiente
e esquecido tantas coisas...
Mas até onde sei, fui eu mesmo
o tempo todo, mesmo que mudando constantemente
as maneiras de ser eu mesmo...
Mas continuei, senti, deixei-me, triste ou alegre,
como as estações que partem,
se distanciam e se refazem.
E quando me vejo
não é com um olhar cansado
de tudo o que passou,
nem com a dor
dos sonhos acabados,
pois um pouco daquilo tudo
que não me foi permitido
sem saber eu já havia
conquistado.

Calendários



Não levar a sério nunca o tempo.
Prevalece  com um olhar de ironia
sobre os sinais do calendário,
inútil coleçao dos dias.

Não há gesto  nem passo detido,
vão é o sentido das datas.
Frente ao velho sono
tudo é pequeno e cansativo.

Não levar em conta nunca o tempo.
Não são os anos acumulados
que marcam a extensão de uma vida,
mas a intensidade
com que são vividos.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

No alto da montanha




                        

      Silêncios e sombras. E este pôr-do-sol que me olha interminavelmente... Tão longe agora que nem mesmo o tempo, rei dos absolutos vagares, poderá nomear tamanha distância. Do muito que sonhei, esta total entrega, este constante projetar-se à frente e este cenário intenso, estas altitudes extremas... Recebo absorto tal dádiva de um cansaço longo e reconciliador: a linha do horizonte tingida de poente, este arrebatamento de cores e vislumbres, a paz, clara como este ar fluídico que me limpa, pura como esta solidão que só os pássaros conhecem, esta  paisagem vasta desobstruindo melancolias, este nascedouro de asas que se inclinam para o infinito .
      Algo em mim que eu não suspeito, maior do que poderia supor este oceano, me sustém, me imortaliza e me redime e me reaproxima do mistério que soprou meus olhos das terra quando minha existência era apenas poeira nos lábios do sol. Aqui a hora inextinguível, o sono acordado, extático, incendiando os mais ávidos esconderijos resistentes em mim. Me desconstruo em múltiplas  direções, mares de montanhas navegam o dorso suavizado do meu olhar. Me intensifico no vento, meus pulmões alcançam o céu, bebo do fôlego das altas aves que tecem o voo do Tempo. Chão nenhum que me atenue. Somente infindáveis diálogos de silêncios em movimento. O manancial de Tudo!!

domingo, 27 de setembro de 2009

Enquanto o sol...



Há algo de mim que vai embora
junto com a chuva que lava sutilmente,
além das casas e ruas, meu coração no vento.
Há algo de mim que já não existe
nem na face límpida do espelho,
não sei se o medo,
mas a pele vai ainda queimada de esperança e sol.
Só, nenhuma leveza para redimir num momento
a dúvida disfarçada em silêncio.
Nenhuma voz amigável relembrada
ecoando nas veias e cicatrizes da noite sem sono.
Como um naufrago, como um raio, como um rio,
todas as coisas são solitárias.
Todas as coisas só acontecem uma vez,
quando muito.
Enquanto o sol nasce
há um ar lá fora que se renova,
por baixo do lençol azul da manhã
há uma vontade em mim que me devora.
Botar o pé no dia e fazer a estrada mas tem que ser agora.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A vendavais constantes, resisti...



A vendavais constantes, resisti,
dei nome às tempestades que me arrastaram
longe, longe, de mim...
Estive em ventos que me desteceram,
em horas que me desconheceram, estive
em mares imensos
onde não permaneci
senão apenas por um momento
pois me levaram ondas de tempo
em outros maiores movimentos
que me distanciaram tanto e tanto
das estradas que percorri.
Em temporais sem rumos, persisti,
segui
ausente de certezas grandes
mas certo de mim
ou, pelo menos,  próximo
daquilo tudo que me torna caminho
daquilo tudo que me torna caminho para eu mesmo ir.
Daquilo tudo
que pensei que perdi
nas ventanias que por dentro vi
pouco, pouco mesmo, em realidade, perdi,
o que restos pareciam de naufrágios
naufrágios não eram, eram
oportunidades de treinar o nado,
o longo nado no Tempo
que todos os braços têm de percorrer
nas profundas águas de si mesmo
num momento
que cedo ou tarde, indefectivelmente
terá de vir.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Voos






...e entretanto, sabemos todos,
um pouco, sobre o tempo e
algo a respeito das distancias
que cada um de nós
guarda em si.

E cada um de nós guarda em si
um vendaval e um silêncio
mas um silêncio que movimenta
mares...

E cada dia que passa
não é um dia demais nem é um dia de menos,
é árvore no vento
e no mesmo vento,
é semente.

E há os que voam e
resvalam nas estrelas
com os ombros
e há os que sonham
e olham para baixo
para vê-las.

Velejar



Versejar é velejar, com palavras. Veleje, vele já, o silêncio das alvoradas, antes que peleje demais, o tempo, em suas estradas. Antes que veja, a antiguidade, por dentro, mesmo que não escreva, verseje, verso seja, sem veleidade, se a velha idade adeja, sua mocidade, deixa, deixa, beija, com serenidade a sua proximidade, sem queixas, não queira, prender-se ao que quer que seja. Apenas, esqueça, mesmo que tudo pereça, e pareça, não haver nada que permaneça, não deixe, que o olhar, esmoreça, natural que seja, breve,  tudo o que há e ao mesmo tempo, tudo, conserve  um quê, assim , de nunca acabar, eternidade não é  sempre durar, é saber ser sempre, inteiramente, sem contrariedade, o que está a mudar. Velejar e versejar, com lufadas de ar. Verseje já, se veja, naquilo que leveza seja, esteja, festeja, cada momento, o gotejar do tempo, é raro, antes que fraqueje demais, o passo, e envelheça, o andar, enleva, todo instante, com espontaneidade, serena a idade, que a temperança, alcança, de cada segundo de vida, a verdade.


quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O tempo é o lar...


O tempo é o lar das coisas,
todas elas, raras e vulgares,
constantes e vagas, vestem-se de circunstancias
e tecem os olhares , os sonhos, os dias...
Onde reside uma história
Senão apenas no caminhar incessante
por essa estrada invisível
que se lança sobre todas as direções
sem que ninguém jamais encontre
onde começa ou finda.
Agora mesmo, mesmo que não perceba,
por entre as frestas de um movimento,
pelos vãos das portas, sob a pele e sob os cabelos,
em silencio, sempre em silencio,
o tempo percorre indelevelmente seu pensamento
e desnuda os seus olhos sob o sol
de qualquer verniz, de qualquer pretexto,
junto à grande marcha de todos os seres.
O que se prolongará além de si mesmo?!
Que o maior espelho é o olhar
que se projeta para dentro.
E mesmo assim, há nuvens nas retinas
e um sono vasto e pouco entendimento.
Cada palavra desprendida na fluência dos dias,
cada rua que some ao ser andada,
cada coisa que foi nossa,
invariavelmente,
nossa foi apenas a ilusão, quando muito,
de que algo se detém ou se conserva
intacto em nossas mãos.

Porque o tempo é o lar das coisas,
todas as coisas, pequenas e grandes,
incertas e várias
nas suas expressões de existir
cumprem sua impermanencia necessária
e são feitas da mesma substância insondável
que moldou meu respirar nesse mundo.
Essa pequena trajetória à deriva
frente a um universo de possibilidades.
E toda memória é vasta e diferente porque se modifica
a cada amanhecer.
Todas as manhãs
Pequenas observações do existir,
coisas como:
nem sei o que sentir perante a vastidão
de tudo,
esse inquieto vagar de mundos,
a constante mutação de sonhos,
esse intenso caminhar de sombras
que somos sob um sol que não vemos...
Porque o tempo é o lar das coisas,
cada coisa projeta seu lugar no espaço
e subsiste provisoriamente
e depois passa e depois cessa
e quase nunca vemos
o eterno mudar de tudo...

domingo, 23 de agosto de 2009

A gosto da primavera...



A gosto da primavera virão as flores, verão
setembrar as cores, nesses campos novos, terão,
dançado vestidos claros nos varais sonoros,
borboletras escritas com pólens,
escorrerão nos cabelos da tarde, camponesa, 
senhora dos colibris,
pousa aqui, sobre esta mesa, agora, uma palavra
não beijada  pela tua voz serena, vem ver, vem ser,
o aroma  que fica nos travesseiros,
quando o sol abrir seu leque de pássaros
sobre os lençóis esvoaçantes do amanhecer.
Vem orvalhar, ervas de chá nos canteiros,
sementeiras, vem ser,
balanço de rede na varanda ao sol,
senhora  das flores das cachoeiras,
vem ser...
Janeiros secarão nos calendários, como pétalas,
um a um cairão os dias, ventos,
virão dizer, veria, se aqui viesse, ser,  
passeio nas campinas, pássaro, melodia,
flores-ser...

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Santa Maria dos vilarejos


Santa Maria dos vilarejos

olhai pelos caminhos vários

pelas trilhas que ando,

pelas ruas que eu não conheço

guiai os passos

dos viajantes cansados

pelas estradas de silencio

Santa Maria dos vilarejos

habitai as capelas antigas

as longas horas andadas

as praças das pequenas vilas

e os solitários corações andarilhos

olhai pelas campinas no vento

pelos ninhos das árvores

pelas pontes e pelos rios

Santa Maria dos lugarejos

iluminai meus olhos

e tudo o que vejo

acalmai os rumos com tua presença

com tua paz duradoura

acolhei-nos

Nossa Senhora dos caminhantes

pousai tua benção sobre as montanhas

sobre os pousos distantes

sobre as matas e cachoeiras

e sobre as noites e acampamentos

Santa Maria dos vilarejos

daí-nos

o repouso estradeiro

o pão benfazejo e

sob teu manto azul

protegei-nos.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Oração do esforço próprio




Não peço que eu não tenha medo...
mas quando o tiver que eu tenha a calma
necessária perante aquilo que não conheço.
Não peço que eu não fique triste...
mas quando a tristeza acercar-se do meu peito
que eu não a deixe fazer morada definitiva
onde ela deve ser hóspede por um tempo, apenas.
Não peço que eu não desanime
mas ao desanimar que meu desalento
seja só uma pausa reflexiva em meu prosseguimento.
Não peço que eu esteja certo sempre
mas ao escolher um ato que este seja sincero
e que possa ser também sincero, em caso de erro,
meu reconhecimento.
Não peço que eu seja forte...
mas que em face de um tormento
eu aprenda a sentir-me forte
construindo-me degrau a degrau
de momento a momento.
Não peço que eu não sinta dor...
mas quando a sentir no corpo ou nos recantos da alma
que eu não a deixe prolongar raízes profundas em meu ser
e se meu coração fechar-se em mágoa
que seja como as ostras que fechando-se sobre uma impureza
revestem-na com paciência
e ao abrirem-se revelam a pérola.
Não peço que eu não tenha dúvidas...
mas que elas não sejam a parte maior de mim.
Não peço que eu não tenha erros...
mas que eles não ofusquem a verdade que habita em mim.
Não peço que eu não tenha raiva...
mas que eu saiba identificá-la ao menor ruído
e filtrá-la em meus olhos e em meus atos e palavras
e não a deixe interpor-se entre meus pensamentos.
Não peço que eu tenha Amor...
mas que eu consiga aproveitar ao máximo
as oportunidades surgidas para praticá-lo
pois só assim o terei verdadeiramente.
Não peço que eu tenha Esperança...
pois ela é um exercício constante
a realizar em mim mesmo.
Não peço que eu tenha Fé...
pois não há como obte-la de fora,
mas que eu a construa em mim
e seja ela meu próprio caminho e o percorrê-lo.
Não peço que eu tenha Paz...
sem a luta interior de aprimorar-se
na tolerância de mim mesmo
e do que está além de mim, igualmente.
Não peço que eu tenha Sabedoria...
além daquela que eu possa alcançar
com meu esforço, pequeno ou vasto,
mas meu próprio esforço.
Nada peço que já não me tenha sido concedido
em forma de semente plantada em meu ser.
Se algo falha em mim não é porque a semente é ruim,
talvez eu não tenha sido um cultivador hábil.
Se algo falha em mim não é porque o solo seja fraco,
talvez eu não tenha sabido nutri-lo adequadamente.
Se algo falha em mim não é porque seja este meu destino,
talvez eu apenas não saiba ainda como conduzi-lo.
Nada peço que já não tenha sido colocado em mim
antes mesmo que eu tivesse voz para pedir,
bastando-me acrescentar à potencialidade concedida
todo esforço necessário à realização,
esforço este que também reside em mim.
Mas agradeço sempre o que em mim
souber, depois de tudo, reconhecer-se agradecido perante tudo.





Danças...


Flores beijando beija-flores com seus lábios de cores, pétalas, de perfumes diversos e intensos néctares. Dançam cabelos, dançam árvores com o vento com quem dança a tarde,com tudo o que são asas voam as horas assim dançadas. E o sol gira só no giro fundo detrás do azul que vai ficando escuro, no escurecer do mundo vão abrindo os olhos, estrelas, e ressurgindo lendas sobre os caminhos andados, sobre os caminhos vários não raro surge, uma sombra, andando sob a lua lenta que se alevanta e tanta luz inventa nesse andar sem nome que sem pressa fica o solitário passo. Alguma ave atrasada passa, algum passar de tempo e quase nada passa sem que o tempo note e não anote o rastro. Sobe poeira desce o sono, nesse ir sem vir dos passos perde-se a sombra, some-se o rumo, o chapéu da noite é grande e debaixo dele vai dormindo o mundo. São só silêncios que vão viajando agora, viajando vão embora todas as palavras, todas as palavras vão ficando quietas e sem que se perceba quando, tudo, o que agora ficou mudo, ficou também mudado, e muito. Uma estrada longa, uma casa em algum lugar plantada escuta as sementes respirando na terra escura, a terra, estuda, o erguer das árvores, o deitar das águas plantadas pelas nuvens muitas, outro vento vem, vem de outro jeito o vento, de tal jeito vem o vento vencendo distancias que nada mais que não seja vento, vence. Nos areais não mais sinais, das casas nem dos matagais, resvalam os mareais sobre telhados e dos barcos mastros apenas mostram as pontas,montanhas olham olhadas de mais alto ainda por céus profundos e inimagináveis mundos...

domingo, 9 de agosto de 2009

Nadando na palma da mão de Deus



Já não há mais remos. Não por tê-los perdidos, mas por não trazê-los, pois já não há mais barcos, nem deles se precisaria, neste momento. Já não há mais remos, a não ser os braços... E a lua brilha sobre algum mar passado, e sobre algum mar presente, e sobre este, vaga onda, pequena, quase branca, quase lenta, nem de saudades nem de alheamento, onda apenas, preenchida por si mesma em sua existência solta. E sobre este mar de agora o que é longe e o que é perto por igual se apresentam, bem poderia também terem o mesmo nome noite e dia, não por qualquer humana melancolia, não minha, nem das coisas, dessas menos ainda. É só um mar, imenso e verde de todos os verdes, imenso e azul de todos os azuis, mar sem tempestades, não mais, nenhuma, mar sem rumos, tão muitos, aos quais já nada se prende mais, mar sem fundo, enfim, sem fim, mar sem navios, sem redes, sem velas, mar para braços, e pernas, apenas. Toda as ancoras cortadas as cordas, correntes, cabos, todos os cascos nalgum lugar nenhum olhando, sem cansaço nem descanso, irretornáveis mastros , sem qualquer naufrágio também e nenhuma ilha para nenhum naufrágo, não há isso, não há farol mais nenhum porque navegante algum mais se avista, não há porto porque não há quem chegue, só águas, com um horizonte também de água, não se vê terras, terras que não se vê, terras que não existem. Águas, nas quais não se vestem roupas de nenhum tipo, nuas claras águas, puras, nem mistérios nem lendas mais, mar em silêncio num mar de mais silêncio aprofundado, um mar que não é tempo, porque eternidade, mas além de eternidade, mar... Um vento e nenhum vento que seja sobre esta hora onde nenhuma hora há, nenhum cais com gente a esperar, nenhuma cidade com cais a esperar gente alguma que não chegará, pois que não há mais gente nem mais cidades há, as estrelas não apontarão mais rotas, as rotas não serão nem mais rotas, e um sol brilhando sobre algum mar passado, e o sol sobre algum mar presente, e sobre este, já não há mais remos. Já não há mais remos, a não ser meus braços, nadando, eternamente nadando na palma da mão de Deus...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Um dia amanheci orvalho...


Um dia amanheci orvalho, enverdeci-me em folhas de hortelã, cidreira, pesssegueiro, meus cabelos gramificaram-se vertiginosamente cobrindo um chão de esperas, minha pele granulou-se em terra, brotaram sementes em mim, girassoletrei palavras novas desconhecidas polinizadas por beija-flores com asas de arco-irís, frutifiquei-me em cores tenras aos lábios do sol,meus olhos despetalaram-se, florescreveram poemas perfumados no vento, minhas veias liquefizeram-se em rios mínimos subterrâneos, milhares, milharais me souberam, minha barba amaciou-se em musgo e aderiu aos caules das árvores, sombreei quintais, casais, crianças...Germinei meu peito em relva suave nas úmidas manhãs, alvoreci, árvore sim, entardeci, em tardes assim borboletaspiraram meu respirar fluído, espalharam-me bicos de pássaros, azulei-me em céu de abril, embranqueci-me em nuves de maio, chovi, sobre ervas, casas, estradas, estavas onde quando anoiteci?! À noitescrevi cartas com letras de estrelas, alfabetizei estrelas, alfazemas matinais fizeram-se em minha voz, afávelmente pousaram em mim azaléias, aves azuis, lírios, li rios de silêncios deslizando nos vales do meu rosto feito imenso porque misturado a terra, meus olhos nidificaram-se, enluei-me, espraiei-me, abriram-se em conchas meus ouvidos, sorvi as canções do mar, diluí-me em marés, naveguei-me, minhas costas madeiraram-se em cascos de navios, esverdeci-me em algas nas pedras, costeiras, quilhas...Meus ombros amontanharam-se, meus braços ramificaram-se para todos os lados, FLORESTEI-ME..."

segunda-feira, 22 de junho de 2009





Uma noite perdida nos olhos distantes...
que lugares seu coração visita quando sonha
dentro da noite vazia?!
Vazias sãos as ruas em que caminha só
sem sono e sem pressa
num fim de tarde qualquer?!
Muitas palavras são feitas de silêncio.
será que apenas as árvores ouvem?!
Minhas mãos são ferramentas de uma mão maior,
meus pés são estradas por onde anda o tempo.
Por onde anda o tempo agora?!
Arrastando multidões para o vazio?!
Ou construindo pontes entre estrelas?!
Não se sabe tanto, talvez para isso sejamos feitos:
para amar o que não conhecemos.
E acaso conhecemos o amor?!
Muitas coisas perdidas num oceano
flutuam na superfície.
E não vemos!!
E veremos o próximo pôr-do-sol ainda aqui?!
Ainda aqui aprenderemos sobre nós mesmos
o que em nós mesmos escondemos?!
Há em mim caminhos que eu não escolhi, 
mas escolhi todos os caminhos que segui
e isso não significa que eu esteja certo, nem seguro.
Porque as vidas são como nuvens no céu
e suas verdades mudam constantemente.

Uma música perdida num dia distante no mundo...
Distantes os sonhos agora?!
Às vezes seus olhos sonham antes mesmo
de adormecerem...
Chega um tempo em que as mesmas ruas
caminhadas muitas vezes parecem pequenas?!
E no coração sobra espaço?!
Às vezes pode-se descobrir um tesouro
no mais comum dos dias mas é preciso sair
à rua para vê-lo.
Talvez seja preciso perder-se indefinidamente
para encontrar-se sereno inesperadamente.
Chega um tempo em que as mesmas pessoas
vistas da mesma maneira e da mesma distância
não parecem mais as mesmas?!
As tempestades são fáceis, mas 
como perceber as sutis mudanças do vento?!
E do pensamento?!
Se o que paralisa de medo é o mesmo
que move o desejo!
Como ser tudo que se pode ser apenas num momento?!
Por sobre o seu silêncio e o meu silêncio
um silêncio maior nos escuta.
Talvez sejamos grandes por sermos breves
e contraditórios por sermos humanos, 
mas talvez também sejamos livres
amando o que fazemos.
Um dia foi preciso que o medo de passar a vida
inteira esperando algo que não se sabe o quê
mordesse seus calcanhares
para que seguisse em frente?!
Horizonte ou abismo?!
O que sei é pouco sobre a vida e sobre mim
e nada me garante que saberei mais no fim.
Cada dia é a semente de outro dia
e estar em paz pode ser o mesmo 
que deixar os outros em paz com suas maneiras
de viver.
A vida nunca repete as histórias que cria,
nós é que temos idéias repetidas sobre coisas 
que pouco sabemos.
E do pouco tempo que temos e desconhecemos
é que plantamos a dúvida
sobre o que somos e queremos.