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domingo, 20 de dezembro de 2009

Teu coração ao mar...


Há uma leve, lenta chuva em teus olhos noturnos,
finíssima cortina de água sob a luz mortiça das ruas,
ruas caminhadas lentamente dentro de horas silenciosas
em que tua cidade dorme e teus olhos
sonham...
As janelas fechadas não vêem a noite
quieta e suave, pousada sobre o mundo
a noite é um denso véu de nuvens escondendo estrelas
que teus olhos avistam mesmo assim
enquanto caminhas,
enquanto caminhas, flores serenas e anônimas
vertem aromas buscados em teus cabelos,
em teus sorrisos que são paisagens de paz
os dias tecem as cores novas da aurora
e tua pele inaugura praias morenas num verão
que nunca cessa.
As ruas se entrelaçam no tempo
e te levam, mãos dadas ao vento peregrino das madrugadas,
por lugares serenizados e indeléveis
como a lembrança do mar dançando em teus tornozelos
sob a infinita lua dos teus silêncios.
Há uma palavra desenhando momentos
em teu olhar, colorindo teus movimentos,
as gotas de chuva são pétalas minúsculas
acariciando a maciez do teu rosto
enquanto caminhas dentro dessa noite funda
e povoada de mistérios
teu coração é uma canção no vento
viajando para o mar...

Sede do chão...



   Sediará o chão meus movimentos, sede do chão bebendo meus cabelos, tanto quanto as raízes prolongando-se dos meus dedos, quem sabe assim, tento, sem saber que tento, conhecer sementes, por dentro, cairá leve ou pesadamente, esta água que nuvens colhem, cairá sem questionamentos, sobre troncos e terra e meus olhos inundar-se-ão tão facilmente, tão facilmente se desagregará a palavra que visto e que nomeia meu gesto, tornada grão, de terra, ou menos, no vento, tornada leve como pena, sem pena, nem contentamento, o tempo que age  tornando tudo o que toca, pequeno, ou mesmo,  quando grande, passageiro, porque assim é que é, o tempo, cobre-me de silêncios, ou de flores, cobre-me por inteiro, reparte-me, em gotas, sobre capinzais amarelecendo-se ou sobre montanhas nascendo, mares que não duvido dividirão meus espalhamentos, poucos serão os vestígios de meu nascimento, uma folha que foi uma pálpebra, a boiar no vento, uma pétala, talvez um lábio, numa manhã amena, um filete de palha ou fio de cabelo, num ninho trançado, um traço de íris numa asa colorida de borboleta, um filamento de raiz nova que foi um nervo ou um fragmento do que sorriso foi um dia e breve será composição de semente, talvez pássaros me semeiem e campos distantes  me recebam como recebo agora a chuva no peito, nos ombros, que serão talvez pedras em costeiras lapidadas pelo mar, chuva que me diluirá em matas, rios, lagos, logo, logo, que  eu seja solo ao sol ardente dos trópicos.

De mim este seu silêncio...





  De mim esse seu silêncio foi herdado mesmo que desconheça o exato momento em que foi gerado seu respirar por esses caminhos que traça no tempo, caminhos tecidos em seus olhos e nos olhos de todos os seres pela sutil tessitura de meus elementos, a conjuntura de todas as linhas, frágeis ou rústicas, todas elas perfazem seu trajeto transitório e fenecem e mesclam-se na contínua mutabilidade de tudo.
     De mim esse seu alento tornado voz, a voz de tudo o que é vivente, o alto fôlego das aves na peregrinação dos ventos, a linguagem intraduzível para seus ouvidos é para mim eco apenas de minha fala que move os ciclos todos do existir, de mim seu alimento retirado, semeado, retornada também sua textura, alimento que será também um dia para outros seres em seus movimentos de sucederem-se e surgirem e ressurgirem variadamente.
     Em mim, leito que sou de infindáveis rios, toda a germinação das esperas longamente orvalhadas, o recolhimento das chuvas não retidas porque cumpridoras de suas jornadas naturais de esparramarem-se sobre indetermináveis campos, toda a floração das cores polinizadas por sábios bicos e asas, em mim, o cumprimento das estações a seu devido espaço de tempo, a duração dos percursos elementares, o brotar das sementes das épocas, os dias de recolher-se, os dias de expandir-se, os momentos de quedar-se, os instantes de integrar-se, inesgotavelmente em mim, para onde retornará em silêncio transcorridas suas etapas, transfigurando seus caminhos para caminhos novos desconhecidos, mesmo que não saiba quando,pois de mim é fruto e para mim serão também seus frutos, suas sementes constantemente a germinarem em mim que sou a origem e o caminho e o destino de tudo, eu, que sou a TERRA.   

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Itinerários


Desenhei meus rumos
na inconstancia dos ventos,
nas nuvens modelei minhas palavras
e meus silêncios,
meus silêncios choveram conforme as circunstancias
sobre a vastidão dos momentos.
Eu fui apenas onda
num grande mar de acontecimentos...
Adentrei distancias
que as noites não dissolveram
nem mesmo o tempo
foi meu companheiro onde eu estive,
onde eu estive
é como tentar prever o vento...
Rabisquei poemas com os dedos
unindo estrelas,
dialoguei com tempestades, as de fora e as de dentro,
em altos de montanhas serenas,
eu vi o caminho do sol e as estações
vestiram-me com seus movimentos
e eu fui folha apenas
e fui vento...
Escrevi meus caminhos
com a tinta ocasional dos dias e noites,
indelévelmente,
sem pressa ou atropelo,
com algum medo, com algum desassossego,
naturalmente,
na poeira das estradas deixei um pouco da poeira
de mim mesmo...
Minhas pernas debateram longamente com distancias
impossíveis de nomear,
meu próprio nome era um rascunho do tempo.
É possível que eu esteja mesmo em todos os lugares
em que já passei
e os que não conheço em mim estejam
mesmo que eu não chegue nunca a alcançá-los
nem percorrê-los.
Quando o tempo soprar-me novamente
semente de sol numa outra existência
estarei sereno, estarei pleno, imerso na insondável trajetória,
grão de universo polinizando estrelas.