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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Infinita-mente


Eu sou o grão luminoso de sol germinando na garganta do pássaro da noite adentrando a alvorada, silenciosamente existo no antes e no após de cada silêncio vivente, e no durante dos percursos manifesto-me sendo todos eles, até as mínimas vertentes, e sendo também, à parte, intangível conhecimento, eu sou a gota de vento, todas, emaranhando-se no espaço, formando o não conter-se dos vendavais, varro os vazios leitos de profundos rios extintos, eu antecipo os temporais, pois sou semente de chuvas e planto nuvens nos caminhos do ar, teço a transição dos dias pois senhorio o tempo que sem mim não respiraria, e esparramo estrelas como quem sopra areia, e sou também areia e, ainda, menos do que isso, e o que nunca se saberia, eu sou a viagem sedenta das pontas das raízes e ao mesmo tempo a água subterrânea que as sacia, o chão de todas as horas, a dimensão do que não se comunica, compreendida está, em mim, que sou a nascente de todas as linguagens, e o emudecer-se de todas as vozes, possíveis que são em mim todas as palavras e nenhuma delas, simultaneamente, me alcançando, eu sou a música das sementes na terra e o silêncio inescrutável dos ossos, imaginado apenas mas nunca inteiramente contemplado e assim mesmo exposto em cada átomo, eu que sou assim tão vasto e que sou apenas, entretanto, poeira e névoa e que sou sem rastro, eu sou a sombra sem ninho dos pássaros e a delicada ossatura de uma asa, eu sou o pisar sem tempo dos incautos e o espinho do imprevisível que não difere os passos, onde começam os rios e onde terminam os mares, o erguer-se das montanhas e o aguçar-se dos abismos, eu que sou disso tudo o lastro e não sou senão também o traço das pegadas nos caminhos e sou todos os caminhos, eu sou o orvalhar das ervas e os casulos abandonados, as minúsculas semínulas à mercê dos ventos e a composição da seiva dos troncos das árvores imensas, eu sou o intrincado mecanismo do mover-se umedecido dos olhos e o vazio das órbitas no crânio seco esfarelando-se ao sol, os andrajos do velho arrastando-se e a dentição primeira do mesmo, e sou o distanciar-se umas das outras das estrelas, a conjuntura das esperas, a disjunção iminente dos envoltórios dos seres, e sou o tocar com sutileza a terra pela garoa de uma tarde sem vento, eu sou a finitude dos momentos tecendo a infinidade do tempo...

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