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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sobre cartas (2)

  Cartas... Quantas vezes imaginei-me carteiro!! Quantas vezes enviei-me em cartas?! Quantas cartas viraram barquinhos de papel na enxurrada?! Ou silenciosas fogueirinhas tristes na madrugada?! Quantas escrevi para mim mesmo?! Quantas não chegaram ao seu destino, ou, mesmo chegando, não o atingiram?! Guardadas em caixas de sapatos, em gavetas silenciosas, em velhos baús de madeira...
     Escrever cartas é conversar com o tempo. Negociar com as distâncias. Navegar sobre uma folha com o pensamento. Nadar em torrentes de palavras às vezes e caminhar descalço num deserto outras tantas... Cada carta que segue é uma visita silenciosa de quem escreve, muito embora, toda carta contenha uma canção, ou várias. Toda carta tem sua trilha sonora.
     Há cartas que ficam velhas, outras, cada vez mais novas. Para se entender o mistério, escreva-as. Aguarde a resposta... Às vezes não há respostas. Silêncio!! E toda carta nasce de dois silêncios, um que escreve, outro que lê. Um silêncio que espera e um silêncio que viaja. Pudesse um envelope conter tudo o que não se consegue pôr numa carta... E colocariam-se auroras e entardeceres, luas cheias e mares, viagens e lugares, estradinhas de terra e pomares...
     Escrevo uma longa carta para alguém há muito tempo e não consigo terminá-la... Escrevi uma carta ao mar, na areia, numa manhã de sol. A maré subiu, veio a onda e recebeu-a, levou-a, leu e apagou... Fiquei silencioso quando escrevi uma carta ao vento, não queria que as palavras voassem antes do tempo.
     Esperamos que as cartas cheguem e as cartas esperam que nos encontrem. Vista-se com suas mais belas palavras quando for visitar alguém em carta. Coloque uma canção nas entrelinhas, não ponha datas, não tente prender palavras no espaço limitado de um dia, suas asas logo saem pelos vãos das grades de lembranças e voam no espaço infinito. Quantas cartas lidas e relidas tanto tempo depois e, entretanto, às vezes, algumas parecem ter sido escritas ontem, ou mesmo, nesta manhã apenas... Exalam o frescor das plantas sob o orvalho.
     Eu quis escrever uma carta sobre o tempo e o tempo escreveu-me numa carta de vento. Com palavras de folhas, num momento. Num momento, neste, cartas voam, navegam, partem, chegam... Esquecem-se, lembram-se...
     Uma carta gravada em pedra num monumento que ninguém lê... Belas belas as cartas escritas a lápis, ou em cima de árvores, ou em barcos, ou no alto  de uma montanha... Belas belas todas as cartas, mesmo as mais tristes, belas pelo ato de escrevê-las.
Uma vez eu fui uma carta longamente esperada, e não cheguei... Outra noite eu era uma carta dentro do silêncio de um quarto, lida com a saudade que a s conchas levadas para longe sentem do mar.
     Num amanhecer vi-me no meio de um vendaval de cartas numa vasta praia vazia, miríades de palavras misturadas na areia, nas águas, gotejando das estrelas, escorrendo dos olhos... E o mundo era uma grande carta de Deus a humanidade.
    

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