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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sobre cartas


     De nenhum lugar, de lugar algum... De um lugar distante, de um lugar tão perto... Escrever cartas é um exercício de aproximação, com alguém em especial e com nós mesmos, as ondas despejam notícias do mar todos os dias na areia da praia, quantos leem?! Todos somos náufragos ou navegantes ou ilhas flutuantes no tempo e lançamos às águas nossas garrafas com mensagens. Nossas cartas são nossas vozes falando em silêncio. A vida é, a um só tempo, mar e jangada, nós somos o remo, ou a vela, ou o vento. Ou tudo isso em variáveis momentos! Ou a madeira boiando à deriva depois do naufrágio! Há, em cada um de nós, uma ilha desconhecida e um mar aberto, mas ambos habitam o mesmo vento, às vezes brando, nem sempre sereno. Uma ave solta de um barco procura sempre terra firme, assim como um pensamento. Milhas e milhas, em silêncio, as cartas navegam, voam, percorrem estradas insondáveis e depois, abertas - esse baú de palavras - bem podem ser um tesouro ou um suave esquecimento submerso numa gaveta sem chave. À deriva numa correnteza de uma vida quantas outras vidas prováveis?! As aves às vezes voltam sem ter encontrado um topo de árvore, um pouso de escala na longa rota dos momentos. Também há cartas que um dia voltam e dizem novamente o que já foi dito e perfazem outra vez o itinerário feito. E falamos mais uma vez, para nós mesmos. Viajando longe e escrevendo cartas, escrevendo longe e viajando cartas... Frases escritas de um lado de um oceano de distância, lidas numa solidão noturna de um outro lado desse oceano, talvez ao ar livre sob estrelas, talvez na cabine de um quarto com a chuva tamborilando nas janelas. Notícias antigas vivificadas, novidades envelhecidas em viagem, e tudo viaja junto a uma carta, quem escreve, quem entrega, quem abre... E mesmo quem não sabe, nas ondas-linhas de uma carta, viaja. Pudessem todas as cartas serem abertas, ( e toda ostra contém a possibilidade da pérola!!) , e lidas à beira do mar e as palavras se misturariam ao vento, e se misturariam ao fundo e falariam muito mais... Uma praia tranqüila sob o sol, ou um temporal sobre um convés, uma carta. Relatos de lonjuras perdidas, retratos das proximidades vividas, todas as âncoras recolhidas e um rastro de cidades e palavras atrás de mim. Eu escrevo cartas e me envio nelas, ou, ao menos, um pouco de mim, e como se fosse recebê-las, ponho nelas um sorriso como selo, e no lugar de um ponto final, se pudesse, poria um pôr-do-sol sem fim. Pudessem, também, todas as cartas serem escritas na areia de uma praia, porque ao contrario do que se acredita, o mar, ao invés de apagá-las, bebe todas as palavras e as leva distante até uma outra praia onde um dia as ondas cantam e contam-nas na canção do vento, na canção do mar. Ouve!! De um amanhecer a outro, inesgotavelmente, o mar despeja notícias, recados, histórias, preces, cantorias e temos tanto de treinar melhor nossos ouvidos quanto aprender a escrever com as vozes de nossos silêncios.

Um comentário:

  1. texto ótimo! acho que vc enfrenta o mesmo problema que eu em meu blog: formatação. Seu texto exige ficar confortável, ser desenhado e balançar como uma garrafa no mar. Mas qual o formato melhor?

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